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Bloco vota contra Prestação de Contas de 2019

O Relatório de Prestação de Contas do Município é, como pode ler-se a determinada altura, “um documento fundador do escrutínio das políticas aplicadas durante o ano” (p. 3).

Na sua discussão e votação, os órgãos municipais apreciam não só a concretização das Grandes Opções do Plano e da estratégia orçamental do Executivo, mas também a orientação política global que foi seguida. Ou seja, a forma como os órgãos executivos do Município dão resposta aos problemas da cidade e de quem nela faz a sua vida.

No caso das contas de 2019, elas são-nos aqui apresentadas – e valorizadas – ainda sob o mesmo argumento que, repetido ao longo dos últimos anos, vem sendo defendido pela atual maioria municipal: enorme saldo de gerência, dívida zero, “boas contas”.

No centro deste argumento – do argumento das “boas contas” – está o facto  de transitar para o orçamento de 2020 “o maior saldo de gerência de sempre – construído ao longo dos últimos 6 anos - e que permitiu a injeção de quase 100 milhões de euros na gestão municipal” (p. 3). E ainda uma redução muito significativa da dívida de médio e longo prazo, para perto de “zero”.

Esta tem sido, genericamente, a estratégia de comunicação por parte do Executivo camarário para defender – de forma legítima – esta estratégia orçamental.

Contudo, enquanto membros desta assembleia, julgamos ser pertinente fazer uma apreciação um pouco mais crítica e aprofundada de alguns destes números e argumentos. Interroguemo-nos, por exemplo, sobre se esta ideia de “enorme saldo de gerência, dívida zero, boas contas”, constitui, de facto, um ato de boa gestão municipal.

Em primeiro lugar, nós não concordamos que a apresentação sucessiva, e ao longo de vários anos, de um saldo de gerência desta dimensão constitua um qualquer ato de boa gestão. Ele traduz, na melhor das hipóteses, uma incapacidade em concretizar uma parte muito significativa das despesas previstas pelo orçamento – algumas, certamente, não imputáveis em exclusivo à gestão municipal. Ele não resulta nem de uma estratégia de “poupança”, nem de qualquer orientação keynesiana na política do Executivo municipal, ao contrário do que é defendido.

Em segundo lugar, rejeitamos também a sacralização da ideia de “dívida zero”. É que no caso do Município do Porto, existiam todas as condições para uma gestão mais equilibrada da sua dívida e compatível com a sua especial responsabilidade em aplicar todos os recursos possíveis para dar resposta às carências mais urgentes das populações.

Por exemplo, a opção por amortizar antecipadamente cerca de 13 M€ de dívida à banca, ou de não utilizar o empréstimo de 39 M€ contratualizado ao BPI para financiamento de longo prazo, implicará o adiamento de investimentos muito necessários em áreas como a habitação, a mobilidade ou o espaço público.

Isto, numa altura em que os investimentos no âmbito da habitação social não contam para os limites do endividamento municipal, e continuam com significativo atraso programas municipais de habitação.

A narrativa do Executivo municipal ignora, por isso – e na nossa opinião – as consequências mais imediatas das alegadas “boas contas”, no que isso significa em termos de consequências para as respostas sociais existentes na cidade, sobretudo quando persistem ainda importantes áreas negligenciadas em cujo investimento ficou esquecido.

Só ao longo dos últimos 3 anos, as receitas municipais cresceram 57 M€ comparado com 2017 (ano das últimas eleições autárquicas).

Face a 2018, houve um aumento de 22,2 M€ só em receitas fiscais, em apenas 1 ano: mais 14 M€ em derrama , mais 4,6M€ em IMT, mais 8M€ de taxa turística. Tudo isto sobre valores que já eram dos mais elevados de sempre na história do município.

O Bloco discorda também da ideia – recentemente veiculada – de que a acumulação deste enorme saldo de gerência, ao longo dos anos, confira agora ao Município uma “maior capacidade de resiliência” no contexto da pandemia. Achamos que é precisamente o contrário.

Nós perguntamos: não estaria hoje a cidade melhor preparada para enfrentar a crise:

  1. Se já tivesse sido infraestruturada uma rede de ciclovias bem discutida e planeada, do que um plano feito agora à pressa, quando a realidade da pandemia nos bate de frente? Esta rede já estava inscrita no PEDU desde 2015 e este ano nem sequer se esgotaram os fundos disponibilizados pelo Portugal Ciclável, devido à falta de candidaturas dos municípios;
  2. Se tivéssemos já avançado com vários projetos Housing First para pessoas em situação de sem abrigo? Ao fim de 7 anos de mandato, existem apenas 7 beneficiários de projetos de habitação e os números previstos até 2023 continuam a ficar muito aquém do necessário;
  3. Programas de habitação pública, que aumentassem o stock habitacional do município quando ainda persistem mais de 1.000 famílias em lista de espera, muitas em situações dramáticas e a viver em condições indignas?
  4. Com as salas de consumo assistido e o reforço das equipas que trabalham todas as valências destas populações? Discutimos este assunto já há 5 anos e andamos a passo de caracol.
  5. A tarifa social da água automatizada, para quem mais precisa?
  6. Uma rede de apoio domiciliário aos mais velhos, cuja carência se tornou tão evidente nestes últimos meses?

Ao contrário do que defende a CMP, nós entendemos que a cidade estaria melhor preparada se tivesse concretizado alguns destes investimento enquanto vivia uma situação financeira extraordinária, como viveu, de facto, a partir de 2014.

Achamos que era possível e desejável que, nesta obsessão pelas “boas contas”, não tivessem sido adiada a implementação de respostas sociais urgentes para as populações mais vulneráveis. Isso sim, teria tornado hoje a cidade mais resiliente para enfrentar a pandemia e a crise económica que lhe seguirá.

Dito isto, nós recusamos também a visão de uma certa direita que – sob o pretexto falacioso de “reduções de impostos e da carga fiscal” – propõe que o Município abdique da sua capacidade de resposta e prestação de serviços às populações.

A direita que quer reduzir os recursos públicos do município, para devolver o que é de todos a alguns dos que mais têm, é uma direita que desistiu da cidade e não tem uma ideia política alternativa para apresentar.

O Bloco rejeita em absoluto esta visão de cidade. Ela mais não pretende do que nos fazer regressar à visão política dos 12 anos negros da presidência do Dr. Rui Rio.

Em vez de devolvidas, essas verbas devem sim ser aplicadas onde fazem mais falta (e são tantas as áreas em que assim é, em que há ainda tanto por fazer nesta cidade).

Em conclusão: este documento de prestação de contas traduz uma visão e uma política que não consideramos a mais adequada e que continua a deixar de fora uma parte muito importante dos cidadãos e das cidadãs. Em particular, daqueles que vivem em situação de maior carência e que mereceriam uma outra resposta – mais sólida – em termos de políticas sociais. Por estes motivos, o voto do Bloco de Esquerda será contra.

 

(Intervenção de Pedro Lourenço - deputado do Grupo Municipal do Bloco - no Ponto 1 - Deliberação sobre a Prestação de Contas do ano económico de 2019)

 

Assembleia Municipal de 27 de Junho de 2020