Respostas estruturadas e estruturantes para pessoas em situação de sem abrigo

Visitámos o antigo Hospital Joaquim Urbano, onde funciona o Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano (CATJU), uma estrutura que, 24 horas por dia, acolhe homens e mulheres em situação de sem-abrigo. Nesse encontro com dirigentes e técnicos que diariamente enfrentam a realidade do terreno, ficou mais uma vez claro aquilo que já sabemos há demasiado tempo: a resposta pública, ou protagonizada por ONG’s e equipa de voluntários, para as pessoas em situação de sem-abrigo continua limitada à assistência imediata, sem uma estratégia verdadeiramente integrada e duradoura.

No Porto, como em tantas outras cidades, garantimos refeições e um lugar para dormir. É um primeiro passo essencial, sem dúvida. Mas ficamos por aí. Multiplicam-se projetos isolados, iniciativas dispersas, esforços individuais e coletivos louváveis, mas que, no conjunto, não são suficientes para transformar a realidade. Prova disso é que os números de pessoas a viver na rua não diminuem, e trabalhamos ainda com dados de 2023 — esperando ansiosamente a atualização prevista para 2024 —, o que compromete qualquer ação planeada com rigor.

Mesmo na vertente mais básica, a da dormida, faltam espaços e recursos. E, para agravar, o Porto tem carregado quase sozinho um problema que é metropolitano e nacional. Os restantes municípios da Área Metropolitana do Porto têm ficado para trás. Veja-se o caso da Maia, que aprovou uma sala de consumo assistido em 2023 — uma medida fundamental para salvar vidas — e que, até hoje, não saiu do papel. A verdade é que exatamente o que caracteriza uma pessoa em situação de sem-abrigo é não ter residência fixa; não podemos limitar a responsabilidade a um concelho. É por isso que defendemos que as respostas têm de ser pensadas e executadas em rede, articulando diferentes municípios e instituições. Mas ouvindo todas as pessoas e, em primeiro lugar, as pessoas que vivem em situação de sem-abrigo.

Além disso, precisamos de compreender que o problema das pessoas sem-abrigo não é apenas social. É económico, habitacional, de saúde e de acesso a direitos. É estrutural. Por isso, defendo uma estratégia nacional e municipal verdadeiramente integrada, que articule habitação, saúde, formação, cultura, segurança social e apoio técnico de proximidade.

Nesse quadro, uma das respostas que defendemos é a implementação alargada do modelo “Housing First”, que parte do princípio de que o acesso a uma habitação digna e estável é o primeiro passo — e não o último — no processo de integração social. Este modelo, já aplicado com sucesso em várias cidades europeias, nomeadamente em Lisboa, permite às pessoas reconstruírem a sua vida com acompanhamento técnico, sem impor condições prévias que muitas vezes se tornam barreiras intransponíveis.

Para que tudo isto aconteça, é urgente desbloquear mecanismos de financiamento e acordos com a Segurança Social. Hoje, demasiados projetos ficam no papel por falta de recursos ou de decisões políticas. As equipas de rua fazem um trabalho extraordinário, mas muitas vezes trabalham de mãos atadas, sinalizando casos que acabam por não ter resposta. Um exemplo desta falta de empenho do Estado é o facto de no Hospital Joaquim Urbano, para além daqueles que são usados por esta resposta, existirem imensos edifícios abandonados e que poderia permitir o alargamento da resposta e a integração naquele espaço de outros serviços (saúde, formação, cultura...).

Precisamos de coragem política, de compromisso institucional e de visão coletiva. Queremos um Porto que não apenas assista — queremos um Porto que transforme, que construa soluções duradouras, em rede, e que devolva dignidade e direitos a quem mais precisa.