Na próxima 3ª feira, em sessão extraordinária, a Assembleia Municipal do Porto votará, por proposta do Executivo liderado por Rui Moreira, uma deliberação que revoga não só a suspensão de novos registos nas zonas do centro histórico e do Bonfim - onde o AL representa mais de 50% das frações habitacionais existentes - como a criação do Regulamento do Alojamento Local do Porto.
O Executivo de Rui Moreira invoca, para justificar esta decisão, o impacto da pandemia Covid-19 no setor do turismo e a incerteza sobre o comportamento futuro do “mercado e operadores turísticos”. Refere ainda “o aumento da tributação do Alojamento Local de 35% para 50% aos proprietários de imóveis que estejam localizados em zonas de contenção”, introduzido pelo Orçamento de Estado para 2020. Motivos porque defende não ser agora “prioritário”, para o Município, “investir esforços no aperfeiçoamento e finalização da elaboração do Regulamento”.
O Regulamento do Alojamento Local não previa apenas o estabelecimento de zonas de contenção ou a suspensão de novos registos. Introduziria um importante conjunto de regras, que passarão, com esta decisão, a graves lacunas para a cidade. Este instrumento regularia o registo de novos estabelecimentos, segmentaria e delimitaria zonas com regras próprias, regulamentaria a fiscalização dos AL e estabeleceria sanções por incumprimento, prevendo, no seu art.º 13.º (“revisão”), que este deve “ser revisto quando a alteração das condições ambientais, económicas, sociais e culturais (...) o justifique”.
Perante as alterações profundas que agora afetam o setor, impunha-se que a Câmara Municipal do Porto (CMP) aproveitasse o momento para se empenhar na resolução da falta de habitação na cidade. No Município, continuam a existir mais de 2.000 famílias em situação de carência habitacional, cerca de 1.000 na lista de espera para habitação social, a que se juntam agora muitas outras empurradas para situações de enorme vulnerabilidade social devido à redução de rendimentos provocada pela crise.
A CMP deveria privilegiar medidas que incentivassem a transferência de muitos dos fogos até agora em regime de AL para o arrendamento permanente, devendo, para tal, ativar a Estratégia Local de Habitação, mobilizar rapidamente todos os recursos do Programa 1º Direito, e, simultaneamente, regular Alojamento Local no Porto por via do Regulamento que nunca chegou a existir e da suspensão dos novos registos, de forma a que os fogos inseridos nas zonas de contenção – de onde muitas famílias foram despejadas ao longo dos últimos anos – retornassem a funções de habitação permanente de médio e longo prazo.
Revogando o Regulamento do Alojamento Local do Porto, o Executivo de Rui Moreira faz precisamente o contrário: liberaliza completamente o Alojamento Local na cidade do Porto, em detrimento de uma solução que permita equilibrar turismo e habitação. Continua a permitir novos registos nas zonas sobrecarregadas, onde os preços das rendas mais aumentaram, e isenta estes fogos do agravamento introduzido pelo OE2020. Esta decisão é, por isso, uma oportunidade perdida.
E é também, aliás, contraditória com os objetivos anunciados para o recém anunciado programa “Porto com Sentido”, uma vez que incentiva a manutenção de muitos destes fogos no regime de Alojamento Local, movimento contrário ao do retorno de fracções habitacionais alocadas a esta atividade económica a alojamento permanente. Perde-se assim a capacidade de intervir, com alguma eficácia, sobre o valor das rendas nas zonas onde o AL se encontra mais concentrado, através da sua reconversão e do aumento da oferta habitacional.
E é, além de tudo, uma decisão no mínimo questionável do ponto de vista democrático: não resulta de uma inadaptação do regulamento à realidade - nunca foi aplicado -, mas de uma decisão unilateral do Executivo, que interrompe um processo de consulta pública legalmente previsto e ignora liminarmente todos os contributos a que esse processo deu lugar.
Nunca o regulamento do Alojamento Local e a suspensão de novos registos poderiam, nesta altura, ficar sem efeito. Este mecanismo é um instrumento fundamental para a promoção de políticas públicas de habitação e de um modelo de recuperação económica mais equilibrado. A proposta de Rui Moreira – ainda que com o pretexto da crise pandémica – merece por isso a forte oposição do Bloco de Esquerda.
Com esta proposta de revogação, o Executivo de Rui Moreira submete-se perante os interesses do negócio imobiliário, em prejuízo do direito à habitação. A política de Rui Moreira é o negócio e entrega a cidade ao mercado. Essa não é a gestão de cidade que o Bloco de Esquerda defende.
Por todos os motivos apresentados, o Grupo Municipal do Bloco de Esquerda apela a todas as forças políticas representadas na Assembleia Municipal, para que rejeitem a proposta de Rui Moreira, defendendo assim a regulação do Alojamento Local na cidade.