Share |

O futuro por vir não se faz de cedências

"A pior coisa que podia acontecer era a extrema direita em Portugal sair de debaixo das pedras e começar a fazer caminho até à representatividade". Em 2017 'aparece' André Ventura, candidato à Câmara de Loures pelo PSD, a veicular um discurso racista, xenófobo, ultra conservador e populista.

"A pior coisa que podia acontecer era este indivíduo conseguir legitimar o 'partido político' dele, ainda por cima através de um processo completamente aldrabado". Depois do 'Chega I' e do 'Chega/Basta' e com 2600 assinaturas falsas, este Chega é aprovado pelo Tribunal Constitucional em abril de 2019.

"A pior coisa que podia acontecer era o Chega ter assento na Assembleia da República". André Ventura é eleito nas legislativas de outubro de 2019.

"A pior coisa que podia acontecer era o indivíduo ser candidato à Presidência da República, acima de tudo pelo palco que isso lhe vai dar". André Ventura anuncia a sua candidatura em fevereiro de 2020.

"A pior coisa que podia acontecer era a campanha eleitoral para a Presidência da República ser centrada no indivíduo e no projeto da extrema direita em Portugal". Os debates são feitos em formato round de combate de boxe, com as e os jornalistas (à excepção de um, em apenas um debate), quais hienas, a acicatar as ou os candidatos presentes - mesmo que o indivíduo não estivesse -, para que acentuassem o discurso de polarização, e - com o indivíduo presente - a fazer perguntas que normalizam a insanidade do 'argumentário' da extrema direita em relação ao que é sentido democrático, Estado Social, em relação às pessoas mais vulneráveis e em relação a projetos políticos, esses sim, legítimos e sobretudo constitucionais.

A pior coisa que podia acontecer era a opção de voto de cada um e de cada uma deixar de ser feita com base nas nossas convicções e visão de país e fossem ditadas pelo medo da extrema direita. Ainda temos uns dias para que isso não aconteça, mas cada vez mais se ouve falar em voto útil ou em cedência de candidaturas - o que seria a vitória do indivíduo e do seu projeto, que se há coisa que pretende é anular o pluralismo.

Nunca tinha, aliás, ouvido falar de voto útil com o segundo ou o terceiro lugar como preocupação. O resultado em termos de eleição está garantido. Certo. Mas não é o segundo lugar que nestas eleições se torna preponderante. São preponderantes as posições seguintes todas.

No meu entender, abdicar do meu voto por convicção, por uma pretensa utilidade de um voto contra a extrema direita, que já fez o caminho todo atrás descrito, seria abdicar da minha visão de país e de mundo. Não abdico! E reitero: essa seria mais uma vitória da extrema direita.

É verdade que o pior que podia acontecer era o indivíduo ficar em segundo lugar (medo que a esta data é mesmo só isso: medo) ou mesmo em terceiro. Mas, em face da já demonstrada inevitabilidade deste tipo e as suas hostes fazerem caminho - contra cujas repercussões teremos de estar capazes de lutar -, termos o dia seguinte sem a expressão real das nossas convicções e sem o sinal claro do que é a nossa visão de país, será mesmo o pior que nos pode acontecer.

Não abdico da minha visão de país, de mundo, de viver em conjunto, de direitos e de democracia. Essa visão, nestas eleições, só a representa em pleno a Marisa Matias.

Ceder em aspetos de outras candidaturas nos quais não me revejo e que me preocupam significativamente, em prol de uma putativa derrota (ninguém olha para essa opção como vitória de alguém, note-se) do indivíduo e do seu projeto, seria render-me ao medo. Não me rendo.

Voto Marisa Matias, mantenho-me na luta e sei que a partir do dia seguinte continuo a poder contar com ela e com todos e todas que como ela põem no centro os direitos laborais, o direito à saúde, um SNS público e universal, a educação pública, o pleno direito das e dos jovens à sua voz e influência e a um futuro com direitos, o combate às alterações climáticas, os feminismos, os direitos das pessoas LGBTQI+, as causas fundamentais contra a desigualdade (o estatuto da cuidadora e do cuidador, por exemplo) e contra o ódio (a luta pelos direitos das pessoas em situação de refugiadas, por exemplo) e acima de tudo a luta contra o medo. 

Para o combate inevitável - que não começa agora, já começou há um bom tempo - é das nossas convicções claras e presentes que precisamos.

Em vez de cair em esparrelas, artilhemo-nos das palavras e do tom que subjazem àquilo a que aspiramos e aos princípios em que acreditamos, e faamos o caminho desse combate. Porque o futuro por vir não se faz de cedências.