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O 31 de Janeiro – a revolta do Porto

Foi há 130 anos. Na madrugada de 31 de Janeiro de 1891 ocorreu no Porto uma tentativa de implantar a República. No mesmo local onde 71 anos antes se iniciara a revolução, inacabada, de 1820 contra o absolutismo monárquico. No Campo da Regeneração, atual Praça da República, juntaram-se soldados do regimento de Caçadores 9, mais o alferes Malheiro que comandava a guarda da cadeia da Relação, vários sargentos, outros militares e muitos civis. Os revoltosos desceram pela rua do Almada, onde foram aclamados pela população e chegaram à Praça da Liberdade onde então existia a Câmara Municipal. Na varanda da Câmara foi içada uma bandeira vermelha e verde e, em nome do movimento de que também faziam parte Alves da Veiga, Sampaio Bruno, Basílio Teles e outras figuras da cultura como João Chagas, Sampaio Bruno, Aurélio Paz dos Reis ou o ator Verdial, foi proclamada a República e anunciados  os nomes do primeiro governo provisório. Depois o povo e a tropa dirigiram-se para a Praça da Batalha, onde funcionava o telégrafo, “para avisar Lisboa que já implantámos a República”. Mas a meio da rua de Santo António, hoje rua 31 de Janeiro, a guarda municipal e militares fiéis à monarquia dispararam, provocando muitos mortos e feridos. A revolução foi esmagada. A repressão da monarquia foi brutal: mais de 200 pessoas foram condenadas a penas pesadíssimas e enviadas para o degredo em África.

O 31 de Janeiro de 1891, apesar do seu desfecho inglório, ficou marcado na memória portuense e do país como um sinal da luta pela liberdade e pela transformação social. O 31 de Janeiro ou “Revolta do Porto” teve como causa próxima o Ultimatum inglês de 1890. No país, à época com 5 milhões de habitantes, a monarquia estava desacreditada. Como escreveu João Chagas, “dum lado fica a monarquia, com a sua velha aliada, que não quis repudiar. Do outro lado, fica a nação, contra a Inglaterra e contra a monarquia”. 

Nas áreas mais populosas há muito que fervilhava o anseio pela República, vista como a única solução da grave situação económica e social do país. Em 1878 já tinha sido eleito pelo círculo eleitoral do Porto o primeiro deputado republicano, Rodrigues de Freitas. Na cidade do Porto, então com quase 150.000 habitantes, quase 50% da população trabalhava na indústria, principalmente têxtil e tabacos, caso único num país ainda muito ligado à agricultura e comércio. No inquérito de 1881 aos estabelecimentos industriais são relatadas as miseráveis condições de vida dos operários: o horário de trabalho ia de sol a sol e muitas vezes pela noite dentro, e crianças de 7 e 8 anos trabalhavam até às 20 horas. Mas os trabalhadores do Porto formaram as suas associações de classe, fizeram greves como a de 1888 e reivindicaram o horário das 8 horas. Assim não pode surpreender porque o 31 de Janeiro ocorreu no Porto. A partir de Setembro de 1890 um pequeno grupo de sargentos e soldados dos quartéis de Infantaria e de Caçadores reunia-se nas instalações do jornal “A República Portuguesa” na rua D. Pedro 178. Mais tarde, em 26 de Janeiro de 1891 no teatro Príncipe Real, atual Sá da Bandeira, formou-se a Liga Patriótica do Norte. Como afirmou Basílio Teles, “a revolução, só o Porto seria capaz de a fazer”.

O movimento revolucionário de há 130 anos falhou, mas foi a semente que desabrochou no 5 de Outubro de 1910 com a implantação da República, em que Portugal se guindou ao nível dos povos civilizados do mundo. Como salientou Ruy Luís Gomes, o 31 de Janeiro de 1891 “foi uma revolução em que a luta pela independência nacional e pela liberdade anda estreitamente ligada à luta contra o imperialismo… nisto consiste o seu grande interesse”. 

Na ditadura fascista de Salazar e Caetano as comemorações do 31 de Janeiro foram sistematicamente reprimidas. Em 1970 foi tornado público pelo governo civil do Porto que “não seriam permitidas concentrações que pudessem prejudicar a vida normal nem o uso de cartazes ou dísticos”. E em 1973 a evocação no Porto também foi proibida.   Mas foi sempre comemorada. No Coliseu e na rua. Porque, como escreveu Basílio Teles “enquanto no mundo houver um português que guarde na alma algum afecto à sua terra, será evocada a memória do 31 de Janeiro e dos homens distintos e humildes que nesse dia souberam dar aos seus compatriotas o exemplo do civismo e do desinteresse”.