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Entrevista a José Castro

José Castro, deputado municipal do BE
Foto de António Amen

O site Etc e tal entrevistou o Deputado Municipal do Bloco de Esquerda, José Castro. Leia a a entrevista na íntegra aqui. (texto de josé Gonçalves e fotos de António Amen).

José Manuel Machado de Castro. Tripeiro de Santo Ildefonso. 64 anos de idade. Advogado de profissão e deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal do Porto pelo segundo mandato consecutivo. E é nessa qualidade que com ele falamos e ficamos a conhecer certas e estranhas realidades desta Invicta cidade.

 

Aviso que a entrevista é longa, mas que também tem um mês para a ler. Agora que vale a pena ler… vale! Quanto ao que de interessante se descobre em cada parágrafo, convido-o a uma “viagem” pelo mundo das letras que unidas formam frases “sérias, sinceras, humanas e diretas”.

Quem é José Castro?

“Nasci e vivi sempre no Porto. Isto, desde há 64 anos a esta parte. Sou natural da freguesia de Santo Ildefonso porque, como muitos outros, nasci na Ordem da Lapa. Depois, comecei a trabalhar muito cedo: logo com 14 anos. Recorde-se que, em outros tempos, quem acabava a Escola Comercial – e eu andei na “Oliveira Martins” – procurava os melhores empregos ou no setor financeiro, na banca, nos seguros ou nos escritórios. Eu andei, então, a estudar à noite no Instituto Comercial do Porto. Depois, e, embora toda a gente, que lá andava, seguisse Economia, eu fui para Letras, e mais concretamente, paraFilosofia

… o que não era muito normal na altura?!

“Não era! Mas também aconteceu porque, os anos 67/68 do século passado, foram momentos de uma grande vivência cultural. Na altura havia um conjunto de coletividades da cidade que tiveram um papel, extraordinariamente, interventivo na comunidade. Para além do “Piolho” (Café “Âncora d’Ouro”) onde fervilhavam muitas das notícias que vinham de fora sobre o Maio de 68, havia ainda o Cine Clube do Porto, o Teatro Universitário, e até o próprio Teatro Experimental. Estas foram instituições que tiveram um papel muito relevante ao criarem na cidade do Porto espaços em que as ideias eram debatidas.

Depois, não cheguei a concluir o curso de Filosofia, porque, entretanto, ocorreu uma situação curiosa, ou seja: ter sido um dos alunos suspensos da Universidade, por defender uma coisa que, hoje, está absolutamente assente que é a existência de associações de estudantes”.

Foi presidente de alguma?

“Não. Fiz só parte de uma lista que concorreu, em 1973, para a eleição de uma associação de estudantes. Só que, há data, o diretor da Faculdade, que era uma pessoa muito ligada ao antigo regime, insistia que, naquela faculdade, nunca poderia haver uma associação de estudantes, e, por isso, todos os que participaram nas listas foram suspensos.

Curiosamente, das primeiras decisões da Junta de Salvação Nacional – logo no dia 26 ou 27 de abril de 1974-, foi a de que todos os alunos que estivessem suspensos, estavam autorizados a reingressar no ensino. Conclui, então, o terceiro ano, que, hoje, seria o “bacharelato”. Depois, ainda fiquei bastante tempo à espera da abertura da Faculdade de Direito Pública, no Porto. Eu tinha interesse em andar nessa Faculdade, porque tinha o estatuto de trabalhador-estudante. Bem, como nunca mais abria, acabei por ir para Coimbra…”

 

“O aparecimento do Bloco de Esquerda foi o acontecimento político mais importante dos últimos quinze anos”

 

Nessa altura já estava ligado à UDP?

“Sim! Fui depois várias vezes candidato autárquico. Em 1993, cheguei a ser cabeça-de-lista pela UDP à Câmara: Lembro-me da disputa que ocorreu, nessa altura, com Fernando Gomes. Tentei sempre ficar bastante atento ao que se passava à volta. Aliás, penso que a intervenção autárquica é das mais importantes que se pode, e que se deve, ter. Assim sendo, vou acompanhando as coisas e tentando intervir. Desde 2003 até hoje, tenho estado na Assembleia Municipal do Porto”.

 

Já como deputado eleito pelo Bloco de Esquerda.

“Sim. Já pelo Bloco de Esquerda”.

 

Um movimento, congregador de diversas sensibilidades de esquerda, que surgiu em meados do século passado e considerado importante para a democracia?!

“Exatamente! Foi dos acontecimentos políticos mais importantes dos últimos quinze anos. A inovação que ocorreu foi a de tentar trazer uma nova forma de fazer política, essencialmente, pela congregação das diferentes maneiras de estar na sociedade e de ver o mundo. No conjunto daquilo que existia em Portugal e, até de certa forma na Europa, a experiência do Bloco foi muito interessante, não somente na nova forma de fazer política, mas também nas propostas políticas, as quais também marcaram estes últimos anos. Refiro-me, em concreto, à defesa do estatuto e defesa da situação dos trabalhadores nas suas diversas componentes, quer aqueles que são organizados sindicalmente e têm um vínculo laboral de alguma permanência, quer às novas formas que estão, hoje, e infelizmente, a ser dominantes e que dizem respeito, por exemplo, aos precários e por aí fora!”

Futuro da Europa: “Nem federalismo, nem aproximação ao PCP!”

 

Há, atualmente, algum distanciamento entre o Bloco de Esquerda e o PCP?

“Eu julgo que são duas forças políticas com o seu trajeto e a sua história diferenciada. Há muitos pontos comuns, como a importância do mundo do trabalho como elemento transformador das sociedades. Mas, há também conhecidas distâncias, por exemplo no que concerne à construção europeia e ao papel da União Europeia.”

 

Nesse aspeto o Bloco de Esquerda aproxima-se mais do PS?
“Não. Por acaso notei que, no último congresso do PCP, referiu-se que o Bloco de Esquerda que era federalista, e que, assim sendo, se aproximaria do PS. Não é uma perspetiva correta!”.

 

O Bloco está aberto ao diálogo com o PS?

“Nós sabemos que o PS em Portugal, e, infelizmente, em toda a Europa, adotou, nos últimos anos, uma perspetiva de ação e posicionamento político que abriu muito o caminho a que forças neoliberais – marcadamente da direita conservadora – ganhassem um peso muito maior, até na União Europeia. Aliás, a questão que hoje vejo na União Europeia, à semelhança do que está a ocorrer em Portugal, é um projeto de destruiçãodaquilo a que se chamou, e ainda se chama, “Modelo Social Europeu”. Muito desse caminho foi aberto pelas posições políticas que a social-democracia – Blair como dirigente trabalhista, na Inglaterra, teve nisso um papel decisivo – , ao colocar aquilo a que chamam “mercados”, como o elemento central das políticas a seguir. Portanto, ao fazerem isso, criaram uma situação na Europa das mais graves das últimas décadas, e perigosa quanto ao acirrar e avivar os nacionalismos, de gerar tensões entre países e povos, absolutamente, sem sentido!”

 

E daí que…

“Daí que, na Europa, nunca iriamos apoiar as propostas que, genericamente, os partidos socialistas têm sobre o futuro da construção europeia. Portanto, e nessa matéria: nem federalismo, nem aproximação ao PCP. Com o PCP comungamos algumas das preocupações, mas definimo-nos como europeístas de esquerda. O que é que isto quer dizer? É que aceitamos e defendemos que, hoje, as transformações mais progressistas se devem fazer no quadro de uma Europa em que os povos tenham um papel mais importante”.

 

“A situação que se vive na cidade do Porto, nesta última década, é uma das mais graves que ocorre nos últimos tempos”

 

Voltando aqui à terra, e repetindo a minha pergunta: o Bloco continua aberto ao diálogo com o PS? Não só em termos nacionais, mas também autárquicos?

“Sobre isso teremos, em inícios de fevereiro, um encontro autárquico, no Porto, no qual se apresentará as linhas gerais da intervenção do Bloco de Esquerda, mas isso não nos impede de agir. Não estamos paralisados! A situação que se vive na cidade do Porto, nesta última década, é uma das mais graves que ocorre nos últimos tempos, isto em diversos pontos de vista. Ora, e justamente porque se vive essa situação, quer em relação ao presente, mas também ao futuro, o Bloco – desta vez e como sempre – não é só favorável a um entendimento circunscrito à esquerda, ainda que o achemos importante.

 

Não estamos de acordo com o procedimento do PS sobre esta matéria. Não basta dizer que se quer fazer uma coligação de forças à esquerda! Se na verdade, se se quer fazer isso é preciso esclarecer duas questões à partida.

Primeiro: para haver uma coligação implica à partida que os partidos, que façam essa coligação, tenham uma inscrição dessa qualidade junto do Tribunal Constitucional. Assim sendo, para haver uma coligação é preciso que os órgãos de decisão mais elevados dentro de cada partido a autorizem. Ora, nós achamos que não está claro, quando o Manuel Pizarro defende as suas propostas que a direção nacional do Partido Socialista alguma vez autorize essa coligação com o Bloco de Esquerda.”

 

“Manuel Pizarro deve esclarecer, quando fala em coligação à esquerda. Haverá abertura da direção nacional do PS para tal?”

 

E porque não?

“Porque temos visto, por parte da direção nacional do PS não apenas uma grande hostilidade em relação ao Bloco de Esquerda, mas até a posições de alguma agressividade. E não nos parece quem, no dia a dia, está com essas posições de tanta agressividade, venha depois, e em relação às Autárquicas, dizer que pode fazer-se uma coligação.

Manuel Pizarro deve esclarecer, quando fala em coligação à esquerda, se isso significa abertura e disponibilidade da direção nacional do PS para que isso seja uma realidade.

 

A outra questão que nós discordamos, profundamente, é a de uma ideia que está para ser avançada pelo Partido Socialista no Porto: já cá está o candidato à Câmara (Manuel Pizarro) e agora, o que restará aos outros é que se juntem a nós.

Esse é um caminho que não respeita o processo democrático de forças que queiram conjugar esforços. Isto é uma espécie de redição da anterior candidatura do PS, em 2009, com a que agora é deputada europeia, Elisa Ferreira, em que tentou também aparecer com essa ideia. O Bloco de Esquerda nunca aceitou nem aceitará isso!”

 

“O PS, ao abster-se, num Orçamento de grande gravidade para a população da cidade do Porto, retira a consistência a uma junção de forças à esquerda!”

 

“Depois há um outro pormenor, que, para nós, é muito importante: a consistência política de uma coligação ou de uma conjugação de forças à esquerda. É que tem de haver o mínimo de coincidência nas diversas posições. E, ainda há pouco tempo, tivemos a oportunidade de constatar uma dessas absolutas inconsistências do PS do Porto…”

 

… na aprovação do Orçamento camarário para 2013 ?!

“Sim. Eles abstiveram-se! Ou seja, o PS, ao abster-se num Orçamento que nós consideramos de uma grande gravidade para a população da cidade do Porto, retirou a consistência a uma junção de forças à esquerda. Se juntarmos a isso, numa outra questão tão importante para o futuro da cidade como foram as alterações ao Plano Diretor Municipal (PDM) do Porto – que o PS votou favoravelmente, e o Bloco de Esquerda votou contra, por considerar que essas alterações deitaram abaixo aquilo que o PDM tinha de melhor -, achámos que estas posições do PS dificultam a existência de uma conjugação de esforços.”

 

“O Orçamento da Câmara do Porto para 2013 é um exemplo de como empobrecer a cidade”

 

Quanto ao Orçamento para 2013 da Câmara Municipal do Porto…

“Quanto à nossa apreciação sobre o Orçamento para 2013, ela é muito, mas muito negativa! Esse Orçamento é um exemplo de como empobrecer uma cidade. Para o BE, o Porto tem o seu relevo a nível nacional e tem vindo a perder, muito claramente, esse papel. Não é apenas pela saída de população, porque há fenómenos que se podem considerar resultantes de dinâmicas demográficas, nas quais, as atuações dos poderes políticos pouco podem fazer. Nós não aceitamos isso em relação ao Porto. Por quê? Porque, do que nós sabemos, estão estabelecidas e esclarecidas as razões de quem sai, porque sai e donde sai.

No Porto, os que saem são, fundamentalmente, jovens casais. Saem do centro histórico e das suas diversas freguesias. E porque saem? Saem porque não têm habitação acessível”.

 

Há, contudo, um plano para a reabilitação da baixa.

“Mas, esse plano, no nosso ponto de vista, não está a resultar e não resultará em algo de significativo. Podemos, depois, juntar a isso a Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) e mostrar como, sendo um dos principais projetos do presidente Rui Rio, que o mesmo falhou em toda a linha. Estamos a ver que, inclusivamente, um governo que é da mesma coligação de forças existente na Câmara, não quer pagar apenas um milhão de euros a essa Sociedade. A SRU não alcançou os seus objetivos.”

 

“O que aconteceu ao Porto, nestes últimos dez anos, foi uma coisa parecida com o Cerco dos miguelistas no século XIX!”

 

Quais foram as alternativas apresentadas pelo Bloco de Esquerda?

“Nós até aceitamos que, no Porto, possa haver uma sociedade de reabilitação urbana, não é disso que se trata. Agora, as suas finalidades e os seus estatutos teriam de ser diferentes, porque a SRU, quando foi formada em 2004, foi definida como uma Sociedade virada para ajudar ao negócio e à intervenção dos provados, e não para ter um papel dinamizador da reabilitação urbana.

A reabilitação urbana do Porto é um dos momentos mais frágeis da cidade e que justifica esta quebra, tão significativa, de população…”

 

“A destruição do património da cidade é um facto que anda escondido”

 

Depois, temos uma zona oriental do Porto (Bonfim e Campanhã) esquecida…

“…completamente abandonada! E tudo porque, na verdade, o projeto desta coligação nunca foi o de criar coesão social. Para caraterizar a gravidade da situação, costumamos usar uma imagem que, à primeira vista, pode parecer demasiado violenta: o que aconteceu ao Porto nestes últimos dez anos, foi uma coisa parecida – com as devidas distâncias- com o Cerco dos miguelistas no século XIX!

Porquê? Porque a destruição do património da cidade é um facto que anda escondido e é uma matéria de enorme gravidade. Ou seja, o que é que isto quer dizer: todos os anos, para obter receitas, foram incluídos nos Orçamentos a previsão da venda de terrenos e prédios municipais.

Se somarmos o conjunto de prédios e terrenos que foram disponibilizados para venda – mesmo que alguns não fossem depois comprados – a perda de património municipal ao longo destes dez anos, é superior a100 milhões de euros.”

 

Cem milhões de euros!?

“Superior a cem milhões de euros. Aliás, diga-se, que para 2013 foi prevista a venda de sete milhões…”

 

Neste Orçamento?

“Sim neste Orçamento, mas não é só neste, porque, em anteriores, tem aparecido vendas de doze milhões, de vinte milhões…”

 

“Cambalachos?!”

 

E ninguém chamou à atenção desse pormenor?

“Nos temos chamado à atenção desse pormenor! Mas, mais ninguém o fez! Até aqui se verifica uma situação que, do ponto de vista jornalístico, era importante de ver: a Câmara do Porto é, das que se conhece com dimensão, que não cumpriu com uma das obrigações legais que foram introduzidas na Lei, curiosamente, depois, deles terem ganho as eleições.

A partir de 2002 foi introduzida na legislação, quer para as câmaras, quer para as freguesias, aquilo a que se chama a elaboração do Inventário. Inventário que tem de ser, obrigatoriamente, apreciado em abril de cada ano.

 

O que é que é o Inventário? A própria Lei diz que é o Inventário dos bens patrimoniais de sua valorização ou não! Qual foi a intenção de meterem isso na Lei? Foi para permitir, ou comparar, que entre um início de um mandato e um final do mesmo, aos órgãos deliberativos (assembleias municipais ou de freguesia) tivessem uma hipótese de saber o que mudou em termos de património.

Aqui no Porto, mais de cem milhões de euros desapareceram da cidade.”

 

E…

“E… para além disso, aconteceu também uma outra situação de enorme gravidade e que pouca gente também conhece.

 

A saber…

“Para obter receita foi feita uma aposta, deste executivo, na constituição de fundos imobiliários. Isso fez com que fossem transferidos esses fundos para um conjunto de imóveis que pertenciam à Câmara Municipal do Porto mas que, hoje, já não lhe pertence…”

 

Casos concretos

 

E a Câmara nada sabe?

“Sabe os que vieram descritos. Em alguns deles ainda funcionam serviços, mas que, agora, pagam rendas ao Fundo que deles tomou conta. Caso concreto: o chamado edifício das antigas oficinas no Carvalhido. Hoje, estão lá a “Domus Social” e gestão de Obras Municipais. Quer uma, quer outra, pagam renda a uma entidade chamada de Fundo Imobiliário “Porto Douro”… ou coisa assim!

O edifício, historicamente da Câmara do Porto, de S. Dinis, onde existem aquilo que se chamavam os serviços de limpeza… aquela área toda já não é do Município, embora continuem lá os Serviços…”

 

…que, se calhar – pergunto eu – também estão a pagar uma renda?!

“Estarão a pagar uma renda. Às vezes até é difícil detetar quanto é. Mas, os serviços já não são pertença da população do Porto, porque foram transferidos para um fundo de investimento imobiliário. Então, o que nós dizemos em relação à cidade, e porque achamos que a situação é grave: ocorreu uma brutal diminuição do património, e, em contrapartida, este executivo vai deixar para os futuros executivos mais de cem milhões de euros de dívida à Banca.”

 

“O chefe do gabinete para a Comunicação Social da Câmara do Porto ganhava mais que um deputado da Assembleia da República”

 

Então, não se falava que a gestão do atual executivo camarário era tão “equilibrada”… um exemplo para outras autarquias? Não estou a inventar! Mas, pelo que me conta, a coisa não é bem assim…

“Pois! Como é que se explica que, sendo esta a realidade, no ponto de vista da imagem pública, ele (Rui Rio) é considerado um exemplo a seguir? Várias vezes temos dito que se deve tirar o chapéu ao gabinete que está à volta do presidente, no que diz respeito à capacidade de influenciar a comunicação social.

O seu chefe de gabinete (Manuel Teixeira) teve, e não é por acaso, que baixar o seu rendimento, porque ele ganhava mais que um deputado que na Assembleia da República. Um deputado é eleito. Ele não! Há pouco tempo, saiu legislação a dizer que esses cargos, de escolha política, não podem ter vencimentos superiores aos políticos eleitos…”

 

E o Bloco denunciou isso a tempo?

“Temos falado sobre isso na Assembleia Municipal. Agora, é verdade, que se nota, mesmo nas restantes forças políticas, alguma falta de estudo sobre estas matérias. Nós, na última sessão, chamámos à atenção sobre um caso que é mistério e tem algo de insólito, nisto de que este presidente é muito rigoroso nas contas e no combate ao desperdício.

E qual é essa situação? Tem a ver com as despesas com o Pessoal. Fazendo o apanhado dos gastos de todos os anos, desde que este executivo entrou até hoje, a despesa com o Pessoal nunca diminuiu… foi sempre de 62,3 ou vírgula sete milhões de euros. Isto, no nosso ponto de vista, nada seria grave, se não tivesse ocorrido esta situação. É que, entre 2002 e hoje, o número de funcionários da Câmara diminui em mais de mil. Ou seja, quando eles tomaram posse, o número de funcionário era de 3.541 e, hoje, têm dois mil quatrocentos e tal, mas, o valor de despesas com o Pessoal manteve-se! Aqui qualquer coisa que não bate certo!”

 

“O Pessoal, escolhido por “eles”, ganha mais que os outros”

 

Bate mal…

“Por parte do PSD e do CDS, em termos gerais, há muito a ideia de ter de se diminuir o número de funcionários públicos. Curiosíssimo! É que, numa autarquia é dirigida pelo PSD e pelo CDS, o número diminuiu mais de um terço e a despesas… não diminuiu.”

 

E os salários?

“Não aumentaram os salários! Eles até têm vindo a decrescer! Agora, o Pessoal escolhido por eles – esse sim! – é que ganha, ou vai ganhar, muito mais que os outros!”

 

 Mas, e repito: isso tem sido abordado, pelo Bloco, em sede própria?

“Sim, temos perguntado! Bem, se um dia tiver a oportunidade de conhecer o funcionamento da Assembleia Municipal, ficará a saber que eles nem sempre respondem a todas as questões”.

 

“O Investimento no concelho do Porto passou de 148 milhões para… 30 milhões de euros”

 

Eu sei como ela funciona, por isso, é que, raramente, ou quase nunca, vou lá. E como eu, muita gente.

“Pois. Nós focamos um outro ponto o qual, para o Bloco de Esquerda, era um mistério e de grande gravidade pela implicação que tem no futuro da cidade do Porto: o problema do investimento! A quebra que se verificou no investimento é que vai condenar a cidade do Porto a ficar numa posição de absoluta subalternidade. Porquê? Porque nós, pela nossa experiência, que, num país ou numa cidade, se não houver investimento não haverá desenvolvimento.

O que é que está a acontecer no município do Porto? Quando o Rui Rio foi para lá, o investimento era de 148 milhões de euros, para 2013 chegar ao número mais baixo desde sempre: não chega a 30 milhões de euros!”

 

E como é que isso pode acontecer?

“Eles dizem que lhes está a diminuir a receita e, portanto, têm vindo a baixar o valor do Orçamento. Todos os Orçamentos estão a diminuir. Por exemplo: em 2002 quando ele (Rui Rio) foi para lá (presidência da Câmara), o Orçamento era de 250 milhões de euros e, agora, o que ficou aprovado para 2013, é de 178 milhões! Vê-se, portanto, que, há aqui, uma diminuição muito significativa: quase 80 milhões de euros no valor do Orçamento!

Bem. Se há uma diminuição nas receitas, ele (Rui Rio) corta na despesa. Mas, em que despesa é que ele corta? Corta no investimento! Quando se corta no investimento, é o futuro da cidade que fica posto em causa!”.

 

Negócios pouco, ou nada, claros

 

É com preocupação que o Bloco vê o futuro da cidade…

“…exato! E, por força dessa preocupação, achávamos que se justificaria um esforço conjunto à Esquerda para por cobro a esta situação. Lamentamos, assim, que, até agora, as posições do PS não tenham ajudado a isso. É preciso ter uma boa reflexão sobre o que se pode fazer para desenvolver a cidade do Porto.

Sobre isso, nós também temos ideias, enfatizando-se a reabilitação urbana. O Bloco não aceita, por exemplo, a atuação da Câmara em relação aos mercados da cidade…

 

Entre os quais o emblemático, Bolhão.

“Pois! O que foi feito no Bolhão?! O único projeto que eles tiveram foi o de entregar o Bolhão a uma empresa TCN, com sede na Holanda, que veio a verificar-se estar envolvida em esquemas e negócios que estão a passar em Tribunal. Recorde-se que a TCN foi a intermediária na venda das instalações dos CTT de Coimbra e, no mesmo dia que adquiriu aquele edifício, o vendeu, com um lucro de dois milhões de euros a uma empresa do grupo BES.”

 

 

O Bairro do Aleixo, a “reabilitação urbana” e os generosos incentivos fiscais…

 

Há também a questão dos terrenos do bairro do Aleixo poderem vir a ser vendidos a uma empresa duvidosa, ligada a Duarte Lima e ao seu filho.

“Nós batalhamos muito nessa matéria e até temos documentos do próprio governo, através da Assembleia da República, a demonstrar que é um procedimento, absolutamente, ilegal, enquadrar aquilo em reabilitação urbana. E a finalidade de enquadrar aquela operação como reabilitação urbana é, apenas, a de obter generosos benefícios fiscais!

Vamos lá ver! O que se está a fazer no Aleixo é a demolição total do edificado – eles querem limpar aquilo e ficar com o terreno! -, mas a legislação que foi criada, em Portugal, para incentivar a Reabilitação, o que é que ela faz? Dá incentivos fiscais muito generosos: em IVA, em IRC, em IRS e em IMI.”

 

O contribuinte paga e não bufa?!

“Se este processo não for posto em causa, o Estado – o contribuinte – vai pagar a despesa!Atenção: os benefícios fiscais, em termos das contas do Estado são despesa! Uma parte da despesa do Estado é a despesa fiscal, ou seja, os benefícios que lhe são dados.

E sobre os benefícios que estão previstos para o Aleixo, temos nós a resposta do anterior secretário de Estado do Ordenamento do Território, professor João FerrãoA operação de demolição do Aleixo não é enquadrável na definição de reabilitação urbana, porque, para essa, há incentivos. Isto é um outro exemplo desta delapidação dos bens públicos.”.

 

Extinção de freguesias: “O Porto vai regressar a 1836”

 

Sem querer ser repetitivo, volto, mesmo assim, a perguntar: o Bloco tem apresentado alternativas a este tipo de situações? Tem-nas contestado em sede própria? Essas são, potencialmente, perguntas que os eleitores fazem, muitos dos quais que, em outubro de 2013, não saberão, sequer, em que freguesia poderão exercer o seu ato cívico para as eleições Autárquicas”…

“Sim…sim! Sobre isso achamos de uma enorme gravidade aquilo que está a acontecer nesse processo de extinção de freguesias, porque ele vai mexer em algo que esteve sempre ligado à cidade na sua antiguidade mais visível. Nós, diferentemente, de outras forças políticas, dizemos que as autarquias, a nível de freguesias, como têm um conjunto muito significativo de responsabilidade, e de respostas. Do nosso ponto de vista justificavam-se alterações, sobretudo, em dar mais competências, dar mais meios financeiros e, num ou noutro caso, até poder fazer alguma alteração territorial.

 

Nós não estamos de acordo que o município, aqui perto, de S. João da Madeira, tenha apenas uma freguesia e a freguesia coincida com o município! Do ponto de vista da reorganização do território, isto não tem sentido. Não estou a dizer que havia de acabar o município. Não! Ali devia haver mais do que uma freguesia, para que a ação do município, a nível de freguesias pudesse dar mais proximidade aos cidadãos. Porque se uma freguesia tem o mesmo âmbito do município, aparentemente, está a mais!

 

No Porto, no que é que isto vai dar? A cidade vai regressar a 1836! Nessa altura, o Porto tinha sete freguesias. Até ao século XVI, o Porto só tinha uma freguesia: a Sé. Passado uns tempos juntou S. Nicolau e Vitória. Depois foi incorporando freguesias à medida que ia crescendo. O Porto, em 1836, tinha sete freguesias mas, na altura, só tinha 50 mil habitantes. Algumas delas só vieram depois, como Aldoar, Ramalde, Bonfim e outras. Bem, o que está aqui a ser feito é acabar com as freguesias donde houve o nome de Portugal.”

 

“O Bloco de Esquerda não desistirá de encontrar uma alternativa vencedora à candidatura de Luís Filipe Menezes”

 

E vai criar-se, no Porto, uma mega-freguesia, a dita cuja… maior que muitos concelhos.

“É! Uma das consequências desta, assim chamada, “reforma”, é que 170 municípios vão ficar com menos população do que estas freguesias que estão agora a ser feitas.”

 

E como é que isto vai ser feito até outubro, altura das Eleições Autárquicas? O Bloco está preparado para um desafio que, estruturalmente, desconhece?

“Esse não é o nosso problema.”

 

Qual será o nome a apresentar pelo Bloco de Esquerda, como cabeça-de-lista à Câmara Municipal do Porto?

“Sobre isso, o processo ainda não está concluído, até porque nós não vamos desistir de encontrar uma alternativa vencedora à candidatura de Luís Filipe Menezes.”

 

A candidatura de Menezes assustou-vos?

“Não! O que dizemos é que essa candidatura vem agravar a situação. Durante dez anos o PSD e o CDS levaram a cidade do Porto a uma situação degradante do ponto de vista das suas condições e etc e tal. Agora, vem um outro candidato da mesma área política prosseguir o afundamento. Já se sabe que ele vai dizer que vai fazer e desfazer isto ou aquilo! Mas, a seguir o rumo desta Câmara saiba-se que houve um lamentável desaproveitamento de fundos comunitários”.

 

Fundos… perdidos

 

Como isso é possível?

“Eles tiveram uma candidatura aos fundos. Receberam uma resposta positiva, masacabaram por não concretizá-la. Era a da chamada construção de um Centro de Congressos, nos jardins Palácio de Cristal. Como essas obras não vão avançar, a atual Câmara terá de devolver.

Por exemplo, para o Bolhão, tinha todo o sentido de apresentar uma candidatura, uma vez que havia um programa de regeneração urbana a nível do QREN, e, eles, nada apresentaram. Isso é um desperdício! Uma última questão que nós temos chamado à atenção para a sua gravidade, tem a ver com a parte do que eles estão a tirar à população.”

 

“O IMI a ser pago para quem no Porto tem habitação própria, é absolutamente escandaloso!”

 

“Estamos a falar na questão do IMI. Achamos de uma enorme gravidade a Câmara ter, num momento em que há as dificuldades todas, que nós sentimos, e quando está ocorrer um processo de avaliação geral dos edifícios, com crescimentos muito significativos do valor patrimonial tributário, a Câmara ter mantido as mesmas taxas durante todos estes anos! Isto vai traduzir-se por um valor de IMI a ser pago para quem no Porto tem habitação própria, é absolutamente escandaloso quanto incomportável nos próximos anos!”

 

Para terminar, pelos visto, teremos de voltar a falar em dívidas e mais dívidas…

“Eles quando entraram havia dívida de dois tipos: a dívida a curto prazo, de um ano, a fornecedores; e a dívida a médio e longo prazo, que é a dívida bancária. Na verdade, a dívida a curto prazo, diminuiu, porque eles obtiveram um empréstimo… pagaram aos fornecedores, mas ficou a dívida a médio e longo prazo. O valor dessa dívida que eles herdaram não é muito diferente da que vão deixar: anda à volta dos 100 milhões de euros. Este é um balanço terrível e escondido!”

 

“Os coordenadores do Bloco conhecem o Porto e o Norte – são daqui. Os seus combates contra a centralização terão mais peso”

 

E temos, agora, o Bloco com uma liderança “bicéfala” e à moda do Porto…

“Isso de “bicéfala”??!!!”

 

Pois… compreendo. E depois um novo sistema jurídico que está para aparecer. Como advogado o que responde, isto para encerrarmos esta agradável, extensa, mas pertinente e interessante entrevista?

“Eu tenho uma opinião muito favorável a esta nova forma de expressão de liderança do Bloco de Esquerda. Nós devemos refletir aquilo que surge de novo na política, e o Bloco sempre teve essa intenção e orientação. Julgo que, hoje, o papel da igualdade, ou dar, cada vez mais, afirmação do papel da mulher na esfera política é de uma dimensão muito importante. Para além disso, e até como tripeiro, fico também muito contente pelos coordenadores conhecerem, por são daqui, bem os problemas do Porto e do Norte do País, e que os seus combates contra a centralização do poder terão muito, mas muito mais peso!”

 

“Os tribunais têm de tratar daquilo que tem dignidade judicial!”

 

Quanto à Justiça…

“Eu não tenho uma apreciação muito positiva sobre o que está a ocorrer nessa matéria, porque ele não passa dos verdadeiros problemas da Justiça. Por exemplo: eu costumo citar uma afirmação do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que eu julgo – para além de ser também uma pessoa aqui do Porto – ser profundo conhecedor dos problemas que estão a impedir a Justiça, vista pelos cidadãos, como uma resposta célere e justa, ele tem sempre chamado à atenção que, uma parte significativa da Justiça – particularmente áquilo ao chamado sucesso executivo -, sofre de uma situação que devia terminar: está praticamente colonizado pelos grandes fornecedores de serviços.

 

O número de processos que existem nos tribunais das operadores das telecomunicações, dos bancos e das seguradoras para cobrar prémios ou faturas é, absolutamente, insuportável!

Os tribunais estão a tratar de matérias e de assuntos que não são da sua competência. Eles, os tribunais, têm de tratar daquilo que tem dignidade judicial! E se o juiz e todo o aparelho judiciário está a ser usado para essas situações, é a Justiça no seu conjunto que vai perder!”

 

Para finalizar esta entrevista. Agora é mesmo! Diga-me só uma coisa que, na sua opinião, o presidente da CMPorto, Rui Rio, fez de positivo.

“A alteração que foi feita nos suportes de toponímia da cidade. Ganharam uma outra visibilidade e acho que foi uma medida positiva”.