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Rui Moreira, padroeiro dos negócios, salvador do mercado.

De costas voltadas para a cidade, a decisão foi abrupta e autoritária. Em plena crise pandémica, de uma penada, o executivo de Rui Moreira apagou toda a discussão pública e todo o caminho percorrido para a existência de um regulamento do Alojamento Local (AL) na cidade.

Vamos por partes. Ao longo de sete anos de mandato de Rui Moreira, a Câmara do Porto foi não apenas um agente promotor mas um dos verdadeiros motores do crescimento da monocultura do turismo. Da mão dada às companhias aéreas low cost à aposta no mercado como mecanismo de reabilitação urbana (enquanto a Câmara acumulava excedentes orçamentais), alimentou-se a dependência do turismo que se expõe agora, mais do que nunca, na destruição da economia e dos empregos que se esvaem perante a paralisação do sector.

 

Já no momento mais crítico da crise pandémica, Rui Moreira escolheu divergir de outras câmaras, recusando suspender o pagamento de rendas das mais de 12 mil famílias que residem nas habitações municipais, e ignorar as mais de mil famílias em fila de espera na Domus Social, que continuaram em situação de insegurança habitacional durante o pico da pandemia. Nos antípodas do que era necessário, a preocupação de Rui Moreira em matéria de habitação foi dirigida aos proprietários.

 

Na base da decisão de eliminar o regulamento do AL, uma conta simples, impedir que sobre os proprietários de casas situadas nas zonas de contenção (onde não pode haver novos registos de AL) recaia uma taxa de 50% de IRS, mas apenas de 35%. As zonas de contenção dependem do regulamento, e a taxa de 50% depende da existência de zonas de contenção, decididas pelos órgãos municipais com base na nova lei do AL.

Mas se o discurso público de Rui Moreira, apresentado a partir do programa Porto com Sentido, é precisamente o de canalizar essas habitações para o programa de renda apoiada, porque se preocupa em garantir a não penalização do AL?

Algumas pistas. A proposta apresentada pelo executivo parte do pressuposto correto, de que os municípios podem e devem usar instrumentos do Estado para a criação de programas de rendas apoiadas, nomeadamente através do Programa de Arrendamento Acessível, criado pelo Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de Maio.

O executivo chega mesmo a invocar esta lei para a definição das “rendas travão”, que fixa valores a partir dos quais a câmara não arrenda o imóvel para o depois subalugar com base em critérios de necessidade pública. Mas Rui Moreira já não invoca a lei para definir a duração dos contratos, que a lei fixa em um mínimo de 5 anos e o programa municipal em apenas 2 anos, tempo durante o qual os imóveis ficam isentos do pagamento de IMI.

Nem por acaso, este modelo é decalcado das posições públicas expressas pelos grandes proprietários (Associação do Alojamento Local em Portugal), para os quais a migração para o regime de arrendamento só faria sentido por um período inferior a 5 anos e com a garantia de que os imóveis poderiam voltar ao mercado de AL (o que não seria possível com a existência das zonas de contenção).

Em resumo, para socorrer a parte mais forte, Rui Moreira tratou de assegurar que todo o modelo financiado por dinheiros públicos deixa a porta aberta ao regresso do mercado.

Não é uma política pública de reordenamento da cidade e de afirmação do direito à habitação, é uma muleta do mercado que pelo caminho deixa a cidade desprovida de quaisquer instrumentos de controlo e fiscalização sobre o AL, previstos que estavam no regulamento debatido publicamente por mais de um ano e revogado numa manhã, em reunião fechada da Câmara Municipal, no pico da mais grave crise pandémica que este país já atravessou.

*Artigo de Adriano Campos