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Sete anos de mandato e 100 milhões de euros de saldo: inação na resposta à pobreza, zero casas para sem-abrigo

A crise da Covid-19 mostrou a centralidade do Direito à Habitação no país. Quem não tem casa ou vive em situações precárias não pode cumprir recomendações de confinamento e distanciamento social. Se não o era antes, fica evidente a desigualdade de cidadãos e cidadãs perante o impacto social e sanitário da pandemia.

Na cidade do Porto, segundo dados recentes do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA Porto), em dezembro de 2019, eram cerca de 560 as pessoas em situação de sem-abrigo na cidade, das quais 140 se encontravam sem teto, ou seja, a viver na rua ou em locais precários.

No contexto da pandemia Covid-19, a Câmara Municipal do Porto (CMP) reforçou para 40 o número de vagas para pessoas em situação de sem abrigo no Centro de Acolhimento Temporário do antigo Hospital Joaquim Urbano (CATJU), tendo sido, adicionalmente, reservadas 10 camas no Hospital Conde Ferreira - numa parceria com a Misericórdia do Porto - para eventuais situações de isolamento profilático.

Este número ficou, contudo, muito aquém do número de pessoas que vivem nesta situação, e muito menos teve capacidade de dar resposta adequada e integrada às necessidades específicas desta população (como é o caso das pessoas em situação de sem abrigo com consumos aditivos, por exemplo).

Com o fim do período do estado de emergência e o consequente levantamento das restrições no contexto da crise de COVID-19, a Câmara do Porto não pode deixar que retornem à condição de sem teto as centenas de pessoas em situação de sem abrigo atualmente alojadas em centros de acolhimento temporário, ou ainda a viver na rua, pensões ou estabelecimentos residenciais, devendo empenhar-se na criação de respostas de alojamento para esta população.

O Bloco de Esquerda defende, por um lado, soluções de transição nas quais é preciso investir desde já, mobilizando os parceiros relevantes e dando resposta adequada às necessidades mais imediatas, em linha com recentes experiências a nível nacional. Desde o alargamento do número de vagas nas instalações do Antigo Hospital Joaquim Urbano - com a abertura definitiva de todas as alas -, até ao recurso a instalações militares sem utilização (como o Quartel da Manutenção Militar de Lordelo do Ouro ou as Oficinas OGFE na Boavista), passando pela disponibilização de fogos em AL atualmente vazios para o acolhimento de algumas destas pessoas, são na realidade variadas as possibilidades, que, considerando a diversidade desta comunidade e a complexidade do trabalho de acompanhamento que se desenvolve com estas pessoas, devem garantir diferentes tipologias de resposta.

Por outro lado, e numa abordagem mais estrutural, vários municípios têm procurado encontrar respostas habitacionais de médio e longo prazo. É o caso de Lisboa, onde se encontram já em curso múltiplos projetos no modelo Housing First - apoiados por aquele Município, concretizados em colaboração estreita com as organizações de terreno e que se mostram eficazes em vários países (baixo custo, elevado impacto) -, especialmente dirigidos à área da saúde mental e das dependências, garantindo um total de 180 vagas, às quais acrescem agora mais 200, segundo anúncio recente. 

O Município do Porto não dispõe atualmente de qualquer resposta habitacional específica para as pessoas em situação de sem abrigo, embora venha anunciando, desde 2016, no seu plano de apoio aos sem-abrigo, a disponibilização de “25 a 35 espaços de alojamento de longa duração”. Tal resposta nunca saiu do papel, nem parece ter constituído uma prioridade para o Executivo municipal. Em sete anos de mandato do atual Presidente de Câmara, a CMP entregou zero casas para pessoas em situação de sem-abrigo.

Querendo agora fazer parecer que está a agir em face da urgência neste domínio, o executivo de Rui Moreira divulgou nos últimos dias a proposta de constituição de um grupo de trabalho de âmbito metropolitano, que, ainda que possa fazer sentido, adia a implementação de medidas concretas e não esconde a efetiva inação que, desde 2013, tem caracterizado a atuação da CMP. Aliás, se para o Bloco de Esquerda é essencial a exigência do cumprimento das responsabilidades por parte do Estado, não se explica que, ao longo de sete anos, quase nada tenha sido feito no Porto por iniciativa do Município, incluindo o que estava previsto no próprio plano municipal apresentado em 2016, nomeadamente no seu designado terceiro pilar: o das respostas habitacionais.

Para o Bloco de Esquerda, este estado de coisas torna-se ainda mais inaceitável quando a CMP anunciou recentemente, e já depois de revogar o regulamento do Alojamento Local, a atribuição de um apoio financeiro extraordinário de cerca de 111 mil euros a proprietários de AL da cidade. Isto sem que tenha ainda avançado com qualquer resposta habitacional para famílias em situação de carência económica e muito menos para pessoas em situação de sem abrigo. E tudo num contexto em que este executivo se gaba publicamente de ter o maior saldo de gerência de sempre, com cerca de 100 milhões de euros, e “dívida zero”.

O Município do Porto deve rapidamente redirecionar as suas prioridades para a criação de respostas para as pessoas em situação de sem abrigo, nomeadamente ao nível habitacional, através da disponibilização de apoios em casas housing first ou em apartamentos partilhados. Perante a crise sanitária, económica e social que vivemos, ninguém pode ficar para trás.